Quem roubou nossa coragem?

terça-feira, 26 de maio de 2009

Bom, nesses últimos dias minha vontade de escrever voltou. Na verdade, o que eu queria mesmo era terminar os contos que tenho inacabados, mas como isso ainda vai levar um tempinho, posto hoje um beeeem antigo, mas que ainda gosto.
Escrevi há uns dois anos, sem nenhum personagem ou trama definida... é só um fluxo de pensamento, ou algo parecido xD

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...no instante seguinte me vi arrebatado por uma verdade incontestável que se descortinava diante dos meus olhos. De repente, como que num baque surdo de um soco, me dei conta de que não era mais um adolescente. De que o mundo não estava mais em minhas mãos. De repente, vi que já não fazia mais sentido ostentar um sorriso orgulhoso na cara, como se já soubesse de tudo. Vi que não sabia de nada, que o mundo ainda não tinha me mostrado tudo o que havia para ser visto. Mas, ainda assim, ele parecia ter dado uma pausa. Em outros tempos, a vida acontecia tão rápido, tão extraordinária e surreal... Eu era o centro de tudo, o protagonista, o elemento principal de tudo o que acontecia ao meu redor. Era tudo tão extremo, tão vívido... As cores eram mais brilhantes, os sorrisos mais fáceis, os sentimentos mais fortes. Sim, o mundo era inundado de sentimentos, cores e formas. Todos os prazeres e todas as dores eras possíveis. Eu podia ser qualquer um, podia fazer qualquer coisa, porque sabia que nada me atingiria, que o mundo estava em minhas mãos. Estranho como justamente a sede de viver tudo antes que a vida acabasse era o que me dava a sensação de ser imortal.

E, no entanto, o tempo passou sem que eu ao menos percebesse que tudo havia mudado. E ele foi passando até que eu percebesse a verdade. De repente, não mais que de repente, eu já não era mais o centro de tudo, e sim um mero espectador. Eu assistia a minha vida acontecer, sem estar de fato nela. Assistia as horas passarem, lentas e cruéis, sem me dar conta de que os ponteiros se moviam. Antes os minutos eram tão preciosos, cada um deles, e agora já nem percebia a sua existência. Estava condenado à amargura de dias banais. Sem cor, sem formas, sem sentimentos. De repente, tudo ao meu redor era cinza, fossem prédios, carros, fumaça ou ternos de pessoas anda depressa. De repente tudo se tornou vazio e opaco, pois não havia mais aquela sede de viver. Eu já não era mais imortal. E sabia que o tempo acabaria, mas não percebia que ele passava. Tinha a sensação de que ia acabar logo, mas as horas se esticavam... Os minutos, antes tão preciosos, agora passavam aos montes, mas estranhamente lentos e humilhantes, me lembrando sempre que ainda existia um depois. E depois de uma hora vinha outra e outra e mais outra... Já não importava mais. Era tudo fumaça, cinzas de cigarro. De repente tudo ficou tão efêmero e distante. E, ao mesmo tempo, tão lento e torturante... Como as coisas podiam ser passageiras e ainda assim lentas? Não sei. Só sei que antes tudo parecia ser a primeira e única vez, tudo era incrível, como ser uma criança ao ver o mundo pela primeira vez. Olho pra trás e me vejo envolto numa inocência que beirava à ingenuidade séria. Tempos de prazeres vibrantes, e ainda assim, tão puros. Nada era obrigação. Tempos de preocupações ínfimas, que eu julgava serem tão importantes e, no entanto, hoje rio delas. Tudo era pra sempre, pois eu acreditava no infinito, e nas estrelas.

De repente me dei conta de como sentia falta de mar. Amar de todas as formas; à vida, às coisas, à alguém... Sentia falta da pureza dos primeiros toques, do sangue que tão facilmente fluía ao meu rosto e me ruborizava, dos beijos trocados no fulgor de um desejo tão inocente, vindo pura e simplesmente da vontade de se tornar finalmente pleno. Sentia falta dessa plenitude, da ilusão de que aquela primeira pessoa seria a única para quem eu cederia tal privilégio, para quem eu entregaria tudo de mim, desde a alma até o corpo. Sinto falta dos beijos roubados entre um corredor e outro, dos olhares trocados tão rapidamente... Do medo. Sim, do medo que eu sentia das minhas decisões, dos meus atos. Do medo que me tomava quando eu tinha consciência de ter feito algo errado. Medo das conseqüências, dos castigos. Tinha medo porque era inocente, porque não sabia como funcionavam as coisas. Não enxergava direito o mundo, as pessoas. Mas foi por passar a enxergá-las melhor que não amei mais ninguém. Na tristeza de uma decepção, o véu do romantismo desaba e tudo o que se vê são ruínas. E então descobri que existem os defeitos, os problemas, as mentiras inconsertáveis, os segredos, a traição... Tudo isso existia antes, mas parecia ser tão pequeno, tão sem importância... Eram apenas pequenos atos e gestos que não me atingiam, e de repente vi que era deles que o mundo estava inundado. Sombras, ruínas, amargura... A sensação de não ter vivido tudo o que deveria viver, de não ter aproveitado nada, como se a vida já tivesse acabado. Mas ela ainda estava ali, passando lenta, cataléptica, ao meu redor, como um suspiro agourento que zombava por eu não percebê-lo. Fui tomado pelos lamentos de outrora, pela incapacidade de me surpreender com olhos de criança, de chorar, de sentir emoções. Fui engolfado pela imensidão das horas, que deixavam suas cinzas ao passarem pelo vidro opaco que não me deixava ver a mim mesmo. Minha vida acontecia sem mim, diante dos meus olhos, lutando contra arrependimentos e emoções que teimavam em aflorar sem a minha permissão. Sim, que vontade de me permitir mais uma vez, de sentir aquela sede de vida uma única vez apenas. Vontade de sentir o ar encher meus pulmões, o sangue correr em minhas veias, o amor me alimentar. Vontade de ser feliz, pleno, mais uma vez, a última que seja. De me olhar no espelho e me reconhecer pelo que sou e não pelo que me tornei. De beijar mais uma vez a boca que eu achava ser a única que eu beijaria por toda a minha vida. Vontade de ter medo e, ainda assim, ser imortal. Um ser imortal e efêmero, como a própria juventude é. Vontade de soltar um suspiro de alívio e não de resignação, de não ser amis banal, não apenas mais um. Vontade de provar minha existência para mim mesmo, de me sentir vivo mais uma vez.

Então de repente senti algo quente escorrer pelo meu rosto e desaguar na minha boca, com aquele sal tão humano que brota de nós. Fechei os olhos e, quando os abri, parecia não ver as coisas do mesmo jeito. Não contive mais o choro que me trazia de volta a inocência perdida, a pureza roubada, a vida escondida e os minutos que ainda haveriam de vir, talvez não mais tão lentos, mas ainda assim efêmeros e imortais. Peço apenas que sejam infinitos enquanto durem.

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Até mais...

1 comentários:

.ana disse...

moony, gostei!
"A sensação de não ter vivido tudo o que deveria viver, de não ter aproveitado nada, como se a vida já tivesse acabado. Mas ela ainda estava ali, passando lenta, cataléptica, ao meu redor, como um suspiro agourento que zombava por eu não percebê-lo."
[eu entendo mt bem isso! tem épocas que parece td sem sentido, mas algo 'lá dentro' nos diz que há muito o que fazer ainda...]

=)
beijos!